5 de outubro de 2015

treino.

Vai, suporta aí.
Suporta a concentração, o foco.
Pra escrever, também pra muito mais.
Pra fazer aquela sequência de coisas que tu te propôs a fazer.
Suporta não distrair com a louça que ficou suja na pia e que o marido vai lavar só amanhã de manhã.
Suporta.
Suporta não olhar TV, não entrar nas maquininhas de fazer ver gente e se comunicar com gente.
Suporta a coceira da alergia. Não coça.
Suporta que tu não consegue tudo.
Que tu não vai ficar com o corpinho deuso que aquelas coitadas ficam se matando pra ter e suporta que sim, tu tá subjetivada nessa e que isso importa pra ti, sim, de um jeito incontrolável.
Suporta.
Que tu escreve vive milita aposta numa parada e que essa coisa te toma também, suporta a incoerência, a contradição.
Suporta que teu corpo não vai ficar como o da tua irmã gêmea, parâmetro inevitável, flagrante, de uma vida inteira.
Suporta o machismo que te ronda, e os limites de apontá-lo pra quem não suporta que seja apontado.
Suporta tua ansiedade.
Esses silêncios necessários.
Suporta não falar tudo pra todo mundo porque sabe que não suportariam.
A coceira de novo. Suporta.
Suporta a grana curta. A vontade de comer o chocolate na geladeira. O julgamento dos outros. O proibido. A vontade de fugir.
Suporta o ritmo. O que vão te dizer. A tentação da vitimização. Suporta ultrapassar os limites que os outros acham que tu tem.
Suporta mudar o verbo: sustenta.
Sustenta essa porra.
Sustenta teu desejo. Sustenta teu sofrimento. Sustenta a mulher que tu quer ser.
Sustenta.
Sim, é sustentar.
Sustenta a escrita. A experiência. A irregularidade. A vergonha. A contradição. A tua beleza. O teu talento. A incompletude do texto. O texto mal-acabado.
Sustenta-te a ti, sempre em vias de te acabar. Sustenta que quem coloca os teus limites é tu. Sustenta que tá tudo na tua cabeça. Sustenta que não importa o que os outros digam, receitem, achem que sabe de ti ou do teu processo. Não importa.
Sustenta tua imperfeição. Tuas cagadas. Teus fracassos.
Sustenta tua antipatia. Tua sinceridade. Teu não saber.
Tuas ancas. Tuas celulites. Teus músculos. O batom vermelho. A unha quebrada.
Sustenta teu sorriso. Tua espontaneidade. Teu mistério. Tuas coisas que não são acessíveis de primeira. Sustenta tua verruga e tua barriga.
Sustenta teu cheiro e tuas ideias.
Sustenta teu pensamento, teu pensamento, tua capacidade de produzir pensamento, mesmo que não interesse ao outro tua capacidade de produzir pensamento.
Sustenta tua capacidade de viver de muitas formas, de ser muitas.
Sustenta tua experiência.
Sustenta tua potência.
Sustenta, sustenta, sustenta.
Isso te dá músculo, e assim podes mudar de novo o verbo
Sei lá, quem sabe vira afirmar.
(Agora sustenta não revisar)

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