12 de julho de 2008

Corpo




"Escrevo para ficar só. Talvez escreva porque tenho a esperança de entender por que eu sinto tanta, tanta raiva de todos vocês, tanta, tanta raiva de todo mundo. Escrevo porque gosto de ser lido."
Orhan Pamuk (Discurso da cerimônia de entrega do Prêmio Nobel de Literatura 2007. Estocolmo, 2006. In: A maleta de meu pai. São Paulo: Companhia das Letras, 2007)




Escrevo por raiva, nojo, confusão, ódio. Escrevo por orgulho. Escrevo porque quero que saibam. Escrevo para me distanciar de mim e de tantas partes de mim que odeio. Escrevo para que o tempo passe, e que passe muito rápido. Escrevo para esfacelar certezas e despedaçar o vago. Escrevo para que algum dia alguém me entenda sem que eu fale tanto. Escrevo para que um dia eu vá tão fundo mas tão fundo mas tão fundo sem me sentir completamente só. escrevo para um dia conseguir ficar inteira e completamente só. escrevo porque gostaria realmente de ser a pessoa mais egoísta do mundo, justamente porque fico indignada com a quantidade de gente que consegue e eu não. Escrevo para machucar, para fazer sofrer, para dar soco no estômago. Escrevo para não vomitar. Escrevo para esbofetear a tranquilidade. Escrevo porque odeio tanto, tanto, tanto o que passa por mim. Escrevo para para estuprar. Escrevo para surtar, deixar de ser paciente, para ser profeta de minha própria história. Escrevo para berrar. Escrevo para berrar tanto que minhas cordas vocais de fato se explodam e explodam o tímpano de alguém que eu queira muito. Escrevo para poder pisar em cima e para poder dizer o que não posso dizer a ninguém. Escrevo para perder a vergonha e a culpa. Escrevo para não perdoar. Escrevo para meter no rabo e ser metida e morder e rasgar e arranhar. Escrevo para saciar tudo isso que não cabe mais aqui. Escrevo para virar diabo e desafiar qualquer soberania. Escrevo para perder a noção de gênero e perder a noção da palavra. Escrevo para eliminar a razão e para eliminar o discurso. Escrevo para ser a pior, e por isso ser mais amada de todos. Escrevo para ser imbatível e amoral. Escrevo para me chicotear, para me escalpelar. Escrevo para puxar os cabelos da histérica e arrancar a juba do leão. Escrevo para fazer sangrar muito. Escrevo para cravar uma faca no coração e mexer ela bem devagarinho. Escrevo para que não usem os santos nomes de meus livros em vão. Escrevo para que não me roubem minha ilusão de posse. Escrevo para mijar em cima da erudição. Escrevo para que a voz cruze o mundo no meio. Escrevo para estilhaçar o passado e o futuro. Escrevo para irritar. Escrevo para passar uma foice na cana. Escrevo para decepar o bóia-fria. Escrevo para ter inimigos. Escrevo para ser insuportavelmente agressiva. Escrevo por excesso e por fascismo. Escrevo por falta de respeito e por falta de vergonha. Escrevo porque o que mais odeio é burrice. Escrevo porque amo sem limites. Escrevo para não ter lógica. Escrevo para sugar todo o líquido do meu corpo e fazê-lo jorrar a todos os machos e fêmeas. Escrevo para afogar. Escrevo para morrer. Escrevo para conseguir viver. Escrevo para acabar com o julgamento de deus. Escrevo para me perder. Escrevo porque quero esquecer.

6 comentários:

Anônimo disse...

mmmmmmm

eu quero esse fogo todo pra mim...

tatá. disse...

perseverar pequena
é o que nos resta
é o que nos une
escrever pra continuar bebendo
sem culpa
escrever pra nada
e pra tudo

perseverar sempre

Super disse...

sopro.
escreves para nos tirar o fôlego.
e fazer viver.
assim mesmo, com muita raiva e muito amor.

eu,
eu escrevo para dizer ao tatá ali ó, que tu é a MINHA pequena. ;)

faz bem escrever!

Paula disse...

e eu escrevo pra dizer que essa possessividade deve ser minimamente partilhada. NOSSA pequena!!!!

carol de marchi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
carol de marchi disse...

E eu te leio pra ser atingida por tudo isso teu, pra me arrepiar, pra me espelhar, pra engolir toda essa verborréia e que ela exploda dentro de mim, causando uma hemorragia letal que, ironicamente, me faz viver (mais)

TE AMO mais por isso!
Também quero explodir outros, também quero arrancar as tripas feito palavras e jogá-las sobre a mesa, como tu. Ai... me inspira!