11 de setembro de 2007

Rio coisas II

No Rio a gente vai sair de carro e tem um outro estacionado do lado do teu, em fila dupla. Aí o flanela tem a chave do carro, mas ele te pede pra tirá-lo, porque ele não dirige.
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No Rio a gente sai de manhã e às 9 parece que o sol é do meio-dia. A gente pega engarrafamento na avenida Atlântica, mas não se importa. Nem dá inveja das milhares de pessoas que estão se exercitando na beira da praia. Vale só de estar vendo o Pão de açúcar no caminho pra aula.
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No Rio quase não buzinam se tu entra numa das centenas de avenidas de alta velocidade. Buzinam quando tu pára. Seja onde for, na situação que for, não pode é parar. No Rio se corre pá caralho.
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No Rio não te dão muito bom dia, muito boa tarde, não sorriem muito, nem te olham muito. Mas, de repente, do nada, te dão carona, te convidam pruma festa na casa deles, e, quando tu nem ia agradecer, o frentista te atende com uma simpatia sem igual. Impossível prever.
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No Rio tu pode levar tiro de policial ou de bandido. Mas tu pode também andar de noite na rua, em muitos bairros, e não sentir medo. E é seguro. A Globo - e sei lá mais quem que nos enfiou na cabeça que no Rio é guerra constante -, é nojenta e mentirosa. Claro, não só por isso.
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No Rio a gente pode correr ou caminhar ou andar de patins ou andar de skate ou andar de bicicleta na areia na ciclovia no calçadão na hora que quiser. Mas academia é o que mais tem em Copa. E Zona Sul, a rede de supermercados mais cara que eu já conheci. Mas se pode ir à feirinha de Ipanema ou a qualquer hortifruti e comprar as frutas legumes e verduras mais baratas que eu já vi.
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No Rio as paredes são de favela. A sala de estar, a cozinha, os quartos são feitos de asfalto e prédios grudados uns nos outros. As casinhas mal acabadas estão sempre visíveis, como que decorando o cinza horizontal e organizado com o caos irregular semi-colorido e fascinante. As janelas são o mar, a lagoa e a floresta. As duas coisas sempre vistas, não importa onde tu esteja na cidade, são as favelas e o Cristo. Onipresentes.
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No Rio os carros se enfiam num Rebouças cheio de fuligem. Em dois (ou três) toques, tu faz uma trilha pela mata Atlântica e não ouve absolutamente nada além do mico que passou de uma árvore pra outra.
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No Rio as pessoas tão sempre gritando. Tu acha que elas brigam constantemente, mas não. Brincadeiras ou xingamentos, o negócio é falar. Até no super as velhinhas reclamam da fila pra pesar cebolas. Carioca odeia fila. E vive furando.
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No Rio os azuizinhos não são azuizinhos. Usam um colete cinza de cooperativa de flanelas, mas trabalham pro governo. Eles são híbridos de parquímetros com flanelas. Tu dá dois pila pra eles, eles põem o ticket da prefeirura no limpador de pára-brisa e cuidam do teu carro. Dezenas de carros estacionam em cima das calçadas. Nunca vi serem multados.
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No Rio tem um monte de gaúcho. Isso é bom, apesar de haver um fascínio dos cariocas expresso por meio de piadas de gaúchos gays. E fazem isso pra se aproximar, não pra implicar. Difícil lidar com isso. No Rio tem uma comunidade gay enorme. Nunca tinha visto tantos.
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No Rio dizem que precisam de legenda pra quando eu falo. "Afudê" é palavrão meio pesado, apesar de o "bah" deles ser "porra".
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Vai entender.
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Rio coisas

Essas ironias da cidade:

No bairro nobre de Ipanema, no miolo das boutiques e restaurantes caros, eis o Paz e Amor. Destoando na arquitetura e na cor dos clientes em contraste com os seus arredores, uma refeição de PF por seis pilas. Prato amontoado de arroz, feijão, costela e agrião, dá pra dois. E dois era o número de mulheres almoçando ali.
Um vestido de seis mil e, ao lado, comida farta por seis. Dividido por dois, três.

Só no Rio tem disso: a sobremesa saiu mais cara. Na melhor sorveteria da cidade pelo quinto ano consecutivo, uma bola de sorvete de jabuticaba - sem conservantes, sem corantes, sem gordura trans nem polpas congeladas - por seis reais. Uma verdadeira preciosidade.

No Rio, a sobremesa pode custar o dobro do almoço. Apenas a meia quadra de distância.

Ah, que maravilha.