31 de julho de 2008

Na rua dela corre uma lava.





Os dias nessa rua seguem tristes.
Alguns picos de sorriso.
Nenhuma lágrima.
Nem nada de suor.
Aliás, nada de muito sal.
Mais uma viscosidade doce.
Seca.
Quente.
Nem o inverno está lá muito cortante.
Corte seguem não tendo, os cabelos.
Nenhum vento que os movimente.
Nenhum ponto no horizonte.
Quiçá um muro.
Ao menos uma linha.
Pedra e piche de mel, deve ser.
Nenhuma alma penada para emprestar as penas.
Nem um socorro.
A Lóri de Clarice assopra que é preciso aprender.
Pode ser.
E, no entanto, sopro não há.
Ela mesma ama o nada, por ser eternidade.
E querer eternidade.
Três mil anos, para nós.
E alguns minutos para os ponteiros do relógio.
Nem um sopro.
Nem um ponto.
Alguns picos.
Alguns dentes.
Mas a primavera não está entre eles.
No entanto,
Neste tanto,
Num intento,
Perseveramos,
já que é preciso viver



apesar de.

24 de julho de 2008

sete maravilhas





é maravilhoso:
fazer a maior goleada da história do time em brasileiros.
fazer a maior goleada do campeonato.
fazer a segunda maior goleada em campeonatos brasileiros desde que passou a ser por pontos corridos.
fora de casa.
ter um jogão pra ver
no domingo.


mas o melhor de tudo mesmo, hoje, é sair de casa com a camiseta do meu amado time, numa cidade de uma homogeneidade rubro-negra que ignora a potência do tricolor gaúcho.

(perdeu, mané!)


e que venha o gre-nal.









23 de julho de 2008

PIADA




O FUTEBOL BRASILEIRO É UMA GRANDE PIADA.
O FLAMENGO É UMA GRANDE PIADA.
NÃO SATISFEITO COM UM PÊNALTY INEXISTENTE, O JUIZ MANDA VOLTAR, ASSIM QUE IBSON ERRA.

BOM, MAS A VIDA É MAIS DO QUE ISSO.
E ELE ERRA DE NOVO.


AMANHÃ, MEUS AMIGOS, A VITÓRIA TRICOLOR É OBRIGATÓRIA.











20 de julho de 2008

Estilismo



Algo de obsceno deitava-se na superfície da cidade àquela hora. O dia, com sua luz inusitada, violava a lembrança de um cenário preservado como escuro. "Não cai bem a bairros boêmios esse agudo do sol", pensou. E ao mesmo tempo caía. Como roupas acinturadas em quem costuma usar panos soltos. Um pouco agressivo, mas mesmo assim gracioso. Mangas francesas estampadas. Algo de prosa em poema, quiçá vice-versa. Deu-se conta que esse sonho acordado da tarde era contaminado por resíduos da noite.
As paredes ganhavam outro colorido. Os raios embrenhavam-se nos entre-prédios e atingiam mais paredes. Mais cores. O cinza das pedras ganhava um cintilante dourado. "Veludo", pensou.

(O centro ontem à noite era farto em vazios repletos de movimentos por se fazer. Corridas, saltos, gritos. Percebera então que tal acontecimento era o oposto do dia. E aqueles bairros boêmios de agora, no entanto, eram o oposto desse oposto: a luz é que tornava-os sedutores.)

Arranhou então a avenida mais arranhada; era a avenida mais estuprada e também a mais oferecida. Um corpo prostituído. Teve prazer ao se lembrar que gosta do que é sujo. Este bairro já era bem mais kitsch. "Plástico", pensou. Os blocos de concreto formavam uma apoteose funda para passagens velozes. Máquinas. Cápsulas. Rodas. Borracha. Vidro. Estilhaços. Neon gasto. Esquadros. Tudo enquadrado. Sorriu ao chacoalhar quando passou por um buraco enorme, apesar de lamentar o furo do pneu. O chão escuro e duro era líquido, já sabia. "Piche", pensou. E também pensou se o chorinho que preenchia sua máquina veloz podia vazar e ganhar alguma pausa em algum corpo naquele vão fundo da apoteose. Torceu para que isso acontecesse. Consolou-se ao se lembrar que dissera ontem: por mais que tentemos catar borboletas com redes, elas podem sempre ter furos. Uma borboleta foge. Um inseto adentra. Torceu para sua rede ser sempre furada.

(O vidro do escafandro embaçou. Trocou a estação do rádio: não queria mais chorinho.)

A lentidão do mar acenava naquelas últimas entre-quadras que apareciam feito slides. Sorriu em saber que alguns surfistas haviam sido salgados pelas ondas e que adocicariam em banhos quentes. Pensou no calor tipicamente masculino. Pensou nas mínimas diferenças de homens e nas mínimas diferenças de mulheres. Pensou nas mínimas diferenças. As ruas já outra vez insinuavam uma iluminação delicada e faziam-se mais superficiais. Lembrou-se de sua própria luz obscena. De sua própria boca. De sua própria superfície. "Cetim", desejou.




phusão



Lá estavam, os professores eruditos. A três degraus de nós, numa diferença, porém, que não era porta-voz da erudição. Havia algo de muito óbvio e de muito visível - e, no entanto, incaptável - que fazia cuspir deles uns cantos e cores tão bonitos, tão luzidos. Uns digitais, uns metais e uns corpos conversavam entre si.

Mesmo nós, que apreciávamos, nos sentíamos assuntos da conversa.

(E ainda teve o momento em que o piano e a flauta tenderam para berimbau.)


Foi assim.











e mais uma vez viu seu rosto no espelho. a pele pálida e a boca rubra. as faces eram de um rosado infantil.
os olhos se apequenavam em situações assim.
tinha cansado de ser uma boneca.









19 de julho de 2008

Ah, os Michéis...





"A dificuldade está em que não basta viver exatamente conforme a norma. De fato, consegue-se (às vezes de raspão, no limite, mas, enfim, no conjunto se chega lá) viver segundo a regra. Impostos pagos. Contas em dia. Você nunca sai sem a carteira de identidade, (com o cartão de crédito numa pochete especial).

Contudo, você não tem amigos."



Michel Houellebecq, "Extensão do Domínio da Luta"

18 de julho de 2008

pra mim, o Vininha era bem subversivo.




De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.





17 de julho de 2008

Linda frase





"é que não adianta, né. eu só consigo construir alguma coisa no coletivo."







olha pela janela e verás!





paulinha diz:

fui ver o filme bem solita
paulinha diz:
e tb lembrei muito de ti
paulinha diz:
chorei que nem uma louca
paulinha diz:
e deu um apertão
paulinha diz:
de saudade
alice. diz:
hahaha que amor
paulinha diz:
fiquei te imaginando no cinema sozinha tb e pensando na gente
alice. diz:
que filme foi ver?
paulinha diz:
sex and the city
alice. diz:
aaaaaaaaahhhhhhhhh
alice. diz:
pois é, esse filme era pra ser visto com as amigaaaaaaaaaasssss, bem assim.
paulinha diz:
e lembrei da gente vendo lá na cobertura num sábado ou domingo depois de uma noite de porre
paulinha diz:
ou de uma noite de depre sem sair de casa
paulinha diz:
ou de uma ligação do gatinho
paulinha diz:
ou depois de uma não-ligação de um otário
paulinha diz:
enfim...





nuvem





por ora, pára.
apenas paira.










a noite cai e ela pensa: que bom, uma boa noite de sono. a febre ajudará.
a tristeza de alguma forma se fez terna. e exata. a acaricia.

fez-se melancolia.
a mesma que aviltou o corpo e a mesma que a virou do avesso. ora era cólera.
agora é melancolia.
a mesma que a jogou num vão e a mesma que ela mesma fabricara. certa feita era raiva.
eis assim, melancolia.
a mesma que a embriagara, a mesma que a despertara para equívocos imperdoáveis. fora angústia.


ora, agora era a
viscosa e doce melancolia.





15 de julho de 2008

achados





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a

vi


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DA


luz






13 de julho de 2008

Ossos


Escrevo para fazer durar o que há de bom.

Escrevo para cuidar de mim.

Escrevo para tentar sustentar um viver

um

dia

após

o

outro.





12 de julho de 2008

Corpo




"Escrevo para ficar só. Talvez escreva porque tenho a esperança de entender por que eu sinto tanta, tanta raiva de todos vocês, tanta, tanta raiva de todo mundo. Escrevo porque gosto de ser lido."
Orhan Pamuk (Discurso da cerimônia de entrega do Prêmio Nobel de Literatura 2007. Estocolmo, 2006. In: A maleta de meu pai. São Paulo: Companhia das Letras, 2007)




Escrevo por raiva, nojo, confusão, ódio. Escrevo por orgulho. Escrevo porque quero que saibam. Escrevo para me distanciar de mim e de tantas partes de mim que odeio. Escrevo para que o tempo passe, e que passe muito rápido. Escrevo para esfacelar certezas e despedaçar o vago. Escrevo para que algum dia alguém me entenda sem que eu fale tanto. Escrevo para que um dia eu vá tão fundo mas tão fundo mas tão fundo sem me sentir completamente só. escrevo para um dia conseguir ficar inteira e completamente só. escrevo porque gostaria realmente de ser a pessoa mais egoísta do mundo, justamente porque fico indignada com a quantidade de gente que consegue e eu não. Escrevo para machucar, para fazer sofrer, para dar soco no estômago. Escrevo para não vomitar. Escrevo para esbofetear a tranquilidade. Escrevo porque odeio tanto, tanto, tanto o que passa por mim. Escrevo para para estuprar. Escrevo para surtar, deixar de ser paciente, para ser profeta de minha própria história. Escrevo para berrar. Escrevo para berrar tanto que minhas cordas vocais de fato se explodam e explodam o tímpano de alguém que eu queira muito. Escrevo para poder pisar em cima e para poder dizer o que não posso dizer a ninguém. Escrevo para perder a vergonha e a culpa. Escrevo para não perdoar. Escrevo para meter no rabo e ser metida e morder e rasgar e arranhar. Escrevo para saciar tudo isso que não cabe mais aqui. Escrevo para virar diabo e desafiar qualquer soberania. Escrevo para perder a noção de gênero e perder a noção da palavra. Escrevo para eliminar a razão e para eliminar o discurso. Escrevo para ser a pior, e por isso ser mais amada de todos. Escrevo para ser imbatível e amoral. Escrevo para me chicotear, para me escalpelar. Escrevo para puxar os cabelos da histérica e arrancar a juba do leão. Escrevo para fazer sangrar muito. Escrevo para cravar uma faca no coração e mexer ela bem devagarinho. Escrevo para que não usem os santos nomes de meus livros em vão. Escrevo para que não me roubem minha ilusão de posse. Escrevo para mijar em cima da erudição. Escrevo para que a voz cruze o mundo no meio. Escrevo para estilhaçar o passado e o futuro. Escrevo para irritar. Escrevo para passar uma foice na cana. Escrevo para decepar o bóia-fria. Escrevo para ter inimigos. Escrevo para ser insuportavelmente agressiva. Escrevo por excesso e por fascismo. Escrevo por falta de respeito e por falta de vergonha. Escrevo porque o que mais odeio é burrice. Escrevo porque amo sem limites. Escrevo para não ter lógica. Escrevo para sugar todo o líquido do meu corpo e fazê-lo jorrar a todos os machos e fêmeas. Escrevo para afogar. Escrevo para morrer. Escrevo para conseguir viver. Escrevo para acabar com o julgamento de deus. Escrevo para me perder. Escrevo porque quero esquecer.

11 de julho de 2008

fato alho




Hoje, no jornal Extra:


"No final da entrevista, a apresentadora perguntou se Beltrame tinha alguma mensagem para os pais de João Roberto e, ao responder, o secretário se atrapalhou:

- O que digo a esses pais, o que eu digo à sociedade é que o Rio de Janeiro não está sob controle. A cidade recebe dois milhões de turistas por ano. Copacabana, que é um bairro internacionalmente conhecido, teve três assaltos a carro. O Rio de Janeiro não está sem controle - disse, corrigindo-se depois que Ana Maria Braga chamou a atenção para o erro."






3 de julho de 2008

amor


.
.
.
quando estamos perto, me exacerbo.

me derreto.
perco as fronteiras de mim.
coisa simples,
e tão sofisticada.

muitas em muitas.
para o melhor uso do riso e do choro.
para um brilho incomum.
para qualquer coisa ficar leve.
ainda que a distância nos leve.
tanto vivido,
tanto por vir.
tanta coisa é dita,
e meia palavra bastaria.

na alegria e na tristeza,
na saúde e na doença,
até que algo
- mas tem que ser algo muito grande, algo muito forte, não basta ser a morte -
nos separe.
sempre amarei essas mulheres.





Alice, Camila, Maria, Maria, Paula: essa é pra vocês.








1 de julho de 2008

histeria


.
.
.
.
tipo de soslaio
meio ao fundo
quase que quase
como que coadjuvante
por exemplo: pela tangente
sabe, de canto
assim, de passagem
digamos que bola na trave
era nada mais que rasp
ando
.
.
.
.