30 de agosto de 2009

par ti cu lar









difícil fazer par.
onde acaba um, começa o outro: respeito, submissão?

compartir, partir com.

onde acaba um, começa o outro: verticalidade, horizontalidade?

espaço comum, espaço ordinário?

tolerância crônica, não se incomodar com pouco?

prender, libertar?

carinho morno, ardência?

frio na barriga, dor de estômago?

deixar ser, esquecer?

ficar sozinho, solidão?

difícil fazer par.
em par ceirar

em par sei lá

bom mesmo é poder ser um par
ímpar.








25 de agosto de 2009

labuta




O trabalho será difícil.

Será interessante, desafiante, intrincado, complexo, dolorido.
Será um trabalho em equipe, teremos de enfrentar desavenças, desencontros, impasses.
Nem todo dia tu vai sair daqui feliz e realizado.
Vais ter de lutar.
Às vezes, contra ti mesmo.
Nota: o trabalho é sobre ti mesmo.
Há de saber que tem forças que tu não vai saber se são tuas ou não tuas.
Falso problema: são os dois. Tuas e não tuas.
O negócio está em poder usar essa força. Ela é muito preciosa para ser desperdiçada.
Há que torcê-la, entortá-la, fazer curvatura, dobrá-la.
Estarei aqui sempre nesse dia e nesse horário.





Dissertando II





Essas do exemplo são faces da famosa psicologia “resolve-pepino”, que tanto recebe e com tanto gosto acolhe demandas para resolução de abacaxis, batatas-quentes, qüiproquós, situações-problema. Uma psicologia – o leitor já deve ter percebido – atrelada à moral (FUGANTI, 2008), visto que empenhada em seguir padrões, julgar, prescrever, adaptar, ajustar, apaziguar, pacificar, harmonizar, conciliar, consertar, corrigir aquilo que incomoda, desassossega, destoa, desorganiza, revoluciona, revolta(-se), utilizando-se para tanto de vias igualmente normatizadas e artifícios devidamente legitimados. Ela já não está restrita a uma linha, a uma corrente teórica: diversos autores, através de sortidos conceitos e aparelhos metodológicos, investem nessa direção. Tampouco se resume a livros técnicos, à fala e à ação de psicólogos: espraia-se no que se diz sobre ela, no que se espera dela, no que se sente frente a ela. É a mais conhecida, mais repetida e, portanto, fabricante do senso-comum (ou fabricada pelo mesmo?). Sabe-se que é a mais conhecida simplesmente porque ela nos chega através dos mesmos meios pelos quais ela se tornou celebridade: está na fala da profissional que dá seu parecer na polêmica reportagem do jornal televisivo da noite de domingo da Rede Globo[1]; está em conversas de elevador (“Soube que você é psicóloga, não é? Eu estou com um problema, sabe...”); está em piadas de mesa de bar (“Cuidado com o que diz, ele é psicólogo!”); está em cantadas (“Você está me analisando agora?”); está em expressões das mais populares (“Freud explica!”). E, bem, clichês à parte, um sem-número de profissionais constantemente é capturado nessa mesma lógica ortopédica, reproduzindo-a[2]. Todos nós, aliás, somos cotidianamente fisgados por tal maneira de pensar e agir, visto que se trata do prolongamento de um modus operandi (e vivendi) que reina no mundo atual, conforme veremos mais adiante. Já podemos dizer desse tipo de práticas psi que é uma idéia de psicologia que se cristalizou. Tornou-se psicologia enquanto disciplina, objeto, psicologia enquanto coisa, como já vimos que é o que diria Paul Veyne (1982). Acostumou-se com o que se tornou.

Ora, tratemos de desacostumar a psicologia enquanto saber coeso. Vamos torcê-la, pervertê-la, tal qual o poeta pantaneiro Manoel de Barros faz com as palavras em suas poesias:

Há quem receite a palavra ao ponto de osso, de oco;

ao ponto de ninguém e de nuvem.

Sou mais a palavra com febre, decaída, fodida, na sarjeta.

Sou mais a palavra ao ponto de entulho.

Amo arrastar algumas no caco de vidro, envergá-las pro chão, corrompê-las

Até que padeçam de mim e me sujem de branco.

Sonho exercer com elas o ofício de criado:

usá-las como quem usa brincos (BARROS, 2002, p. 19).


[1] Na noite de domingo do dia 19 de março de 2006, foi lançado o documentário “Falcão – Meninos do tráfico”, produzido pelo cantor de rap MV Bill e pelo produtor musical Celso Athayde, no programa “Fantástico”, da Rede Globo. No programa, além de trechos do filme – que discorre sobre a participação de crianças e adolescentes no tráfico de drogas em vários estados do Brasil – foram exibidas entrevistas com especialistas, entre eles psicólogos, que relacionaram o envolvimento com o crime à ausência da figura paterna nas vidas desses indivíduos. Em diversas outras ocasiões, psicólogos compareceram e comparecem à mídia para conceder suas opiniões de peritos da subjetividade acerca de temas extremamente noticiados, como o da violência ou da possibilidade dela acontecer.

[2] É importante ressalvar que a psicologia é apenas uma parte de um programa muito maior que compreende uma rede complexa de saberes a serviço da governamentalidade de vidas. Sobre isso discorreremos mais adiante, na porção desse trabalho subentitulada “Desinventar”.







24 de agosto de 2009

Dissertando I








O que para mim parecia também obscuro e vago, começou a ficar cada vez mais nítido, no entanto não cristalino – e muito menos estanque. Era difícil explicar o que fazíamos, visto que nada era regra, nada era repetido ao pé da letra – ou, se era, sabia-se do risco de cair por terra. E se falamos em risco é por ele conter mais de um sentido. Para muitos a terra firme é sinônimo de desejável segurança, certeza, porto seguro, ausência de risco e perigo; para nós, é um lugar a ser evitado. Há mais interesse no risco da instabilidade do alto mar, nos perigos do abrir-se à afetação. Não queremos cair por terra, pois há aí o risco de perder nosso sentido de intervenção, de nos repetirmos e de termos nossas práticas esvaziadas, ainda que isso fatalmente ocorra em algumas ocasiões. Queremos correr outro tipo de risco, mais potente: o da ausência de verdades absolutas, o das possibilidades contidas nos encontros que nos levam a certezas provisórias e específicas.





18 de agosto de 2009

HEIN???









Vinheta do programa "Happy Hour": Astrid diz "Hoje o tema é o mal do século, o stress. Teremos a bailarina Débora Colker, a psicóloga Fulana e, pra fechar, Beltrana de tal.

Tirando a psicóloga, todo mundo estressado!"

E eu me pergunto: psicólogas não se estressam????????????????????????








14 de agosto de 2009

brincando

Alguns poetas gostam de brincar com palavras.
O queridinho do café com quindim, por exemplo: "Eles passarão, eu passarinho".
Ou o bigodudo pantaneiro:
"Há quem receite a palavra ao ponto de osso, de oco;
ao ponto de ninguém e de nuvem.
Sou mais a palavra com febre, decaída, fodida, na sarjeta.
Sou mais a palavra ao ponto de entulho.

Amo arrastar algumas no caco de vidro, envergá-las pro chão, corrompê-las

Até que padeçam de mim e me sujem de branco."



Tava pensando que tem umas que dizem o que querem dizer antes de seu significado. Já com seu som.


Resssssssssssssentimento, por exemplo. Êita palavra que se arrasta pelo chão.

E rÍspido? Chego a sentir o arrepio da unha raspando o concreto.

Bagunça já faz mexer um rebolado africano.

Tem umas que é só em outro idioma que dá pra brincar.
Over and Over again. Over gira, já, sozinha, o barulho de rolamento no chão.

E a expressão com jeito de conto de fadas: "Me encanta despiertar despacio"
. Tem algo de princesa aí.



Caro leitor, solta o verbo...!











para







para uma experiência em copacabana basta separar duas horas de seu dia.



chegue de van.
vá em alguma galeria decadente perto do Palace.
compre algo de plástico em umas das lojas de 1,99 da Nossa Senhora, perto da Figueiredo. caminhe por ali.
coma um salgado árabe do Baalbek.
coma uma empadinha + refresco de guaraná na promoção.
caminhe uma quadra pelo calçadão.
faça uma ligação de um orelhão.
vá nas Americanas e compre um creme pro cabelo.
os velhinhos, camelôs, vendedores de ouro, corte de cabelo, dentista, você vai encontrar por esse caminho.
observe as dezenas de gringos.
vá embora em um ônibus velho e observe seus pés, sujos.


você acaba de levar um pouco de Copa com você!








11 de agosto de 2009

start a revolution from my bed




Me sinto um tanto Cá: decidi sair da acadimia de que eu não gosto - por ter instrutores que competem em campeonatinhos patéticos de halterofilismo - para correr. Moro a duas quadras da Lagoa Rodrigo de Freitas, pista plana, ar relativamente puro (melhor do que o da orla de Ipanema e muito melhor do que o da orla de Copa), e não vejo motivo pra botar 90 pilas numa acadimia cujo instrutor faz halterofilismo. Sabe aquelas coisas que te fazem deixar de respeitar a outra pessoa? Tipo descobrir que a tua ginecologista acha que se faz doutorado só pra ganhar título, ou que teu cabeleireiro completamente gay tem preconceito contra bissexuais, ou que a pessoa com quem tu começou a sair é racista, ou que teu analista é moralista pra caralho? Exatamente. Então fiz uma resolução: vou me acordar cedaço, tipo 6:30 ou 7hs pra correr na lagoa e fazer abdominais e economizar, assim, 90 reais por mês, já que tô precisando emagrecer e tomar sol mesmo e me disciplinar com pelo menos uma coisa. Tomara que sirva pro resto. Me sinto um tanto Cá. Se é que me entendem.





6 de agosto de 2009


A câmera faz um close:



- Não, você não procura relacionamentos e amizades desorganizadores. Não, você não é certinha por uma interiorização da figura superegóica de sua mãe.
É você que é o caos e que não vê. (pausa)
É você que desorganiza e que se deixa desorganizar. É em você que mora essa força que arrasta e arrasa, pira, louca, crazy, esquizofrênica, alucinada, fascinada pela desordem, pelo acaso, pelo incerto, pelo prazer, pela dor, pela lentidão, pela velocidade também, pelo absurdo, pelo completamente ilógico, tarado, dissolvido, múltiplo, assustador e incômodo caótico que te atravessa ao meio, em meio, por todas as partes, por todos os lados. (pausa)
Não vê? A intensidade maluca é sua. (pausa). Ok, é de muitos também, mas você tem um acesso facinho facinho a ela. (pausa)
No máximo, há coisas e gentes que disparam isso em você, no encontro com você, no entre, junto com você. Mas não que trazem isso a você, isso não.

(silêncio denso)
Você não é a Alice, você é o Chapaleiro Maluco.



Corta.