17 de abril de 2013

trecho perdido de romance ou trecho de um romance perdido


antes de meter-se debaixo do chuveiro, tirou a roupa e deteve-se diante do espelho.
a imagem cortava-lhe na altura do umbigo.
umbigo este que abrigava - mal e mal - uma pequena verruga da qual nunca gostara.
ali seguia ela, impávida em sua cor levemente esverdeada, postada na beiradinha do tal nó na barriga.
tratou logo de correr os olhos pelo resto do ventre, que afinal, percebeu, não a desagradava tanto. achou bontitinho, até. nos últimos tempos os abdominais devolveram-lhe duas leves concavidades nas laterais do umbigo. quase sorriu.
registrou as marcas horizontais que lhe riscavam o tronco. devem ter sido produzidas pelo tempo sentada, as pequenas dobras de uma adiposidade bem aceitável ali, pensou.
reparou ter a pele mais pintada de manchinhas marrons do que anos atrás.
lembrou-se de quando contava as pintas da mãe. eram muitas. dizia que era como contar as estrelas: nunca iria conseguir terminar de contar.
pouco acima dos seios, pendendo pequenos e levemente separados, a pele e a musculatura do peitoral. brincou por uns instantes de enrijecê-los. pareciam totalmente dissociados das mamas.
os anos estavam ali impressos; via-se melhor do que imaginara que veria aos trinta.
num gesto automático, puxou a cortina e ingressou no banho: o tempo continuava correndo. 
  



acho que do sotaque gaúcho, o que mais gosto é daquele jeito que os erres se enroscam bonitinho nas consoantes que vêm depois deles.