Sempre escutei dos outros falarem que seu psicólogo ia dar uma palestra não sei onde, o outro que viu o seu num evento tal, um que encontrou num jantar ou dando uma aula. Sempre tive uma inveja. Eu nunca vejo a minha terapeuta assim, no ambiente dos humanos. Seria tão bom encontrá-la, conversar algo entre goles de vinho. O que conversaríamos?
Falaria de como está sendo morar sozinha, das minhas descobertas e do que não é novidade. Lá pelas tantas eu diria que o vinho era muito bom. Ela perguntaria se existe alguma lembrança da minha infância relacionada a isso. Eu diria que sim, a minha vó me dando vinho na boca, eu aprendendo a caminhar. Talvez ela, no final da conversa, fizesse metáforas sobre o vinho, o nosso encontro, minha vó, a vida adulta, o estar sozinha, o princípio da realidade, o Dionísio. Talvez ela pontuasse algo a respeito da repetição, talvez eu discordasse, bêbada, ela falasse de resistência, eu ficasse braba, e ela dissesse "hoje ficamos por aqui".
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Fazendo meu primeiro rancho oficial, com meu carrinho de dois andares, no Záffari Higienópolis, depois de degustar queijo, pão, bolo e suco, eis que passa bem na minha frente, saindo das frutas e entrando no corredor de detergentes: ela, minha psicóloga. Chamo-a, beijinhos, "como estás?", eu fico imaginando o que dizer assim, pra terapeuta, no supermercado, depois dessa pergunta. "Tô bem!". "Ah, então, fazendo o super? Morar sozinha é isso também, né?" Por algum motivo, não quis mais conversar. Estranho falar de si sem o sigilo do consultório, diante de caixas de Omo. Pensando bem, não invejava mais quem via seus terapeutas em ambientes normais. Fiquei nervosa: a minha eu vi do jeito mais pessoa que há. No super. No meu super.
Não quis ver o que ela levava no carrinho. Ao contrário, talvez pela tendência das coisas, comentei sobre o que tinha no meu. "É, comprando aqui... queijos, pão, patê...". Patético.
Nos despedidmos: "Até..." . O que seria completado no consultório com "...semana que vem", ficou em aberto. Afinal, sabe-se lá, agora é capaz de nos encontrarmos até no trânsito.
Humpf.