6 de novembro de 2008

nágua

Nunca havia derramado uma lágrima.
Uns acusavam-no de ser seco.
Umas lhe diziam sem coração.
Seu cachorro morrera: nada.
A mãe tivera câncer: nada.

A amada lhe abandonara: nada.

O amigo lhe traíra: nada.


Não achava estranho; pelo contrário, lhe era muito natural.
Não é que não ficasse triste; simplesmente não chorava porque não chorava.
E aquilo fazia todo sentido.



Esse dia, uma quarta-feira, amanheceu de um ensolarado rarefeito.

Fez xixi como sempre, tomou água como sempre, suou como se sua em um dia quente.

Ao meio-dia, um bafo úmido abancou-se na rua.
Teve dor de cabeça.
Um trivial dia de verão, o ar espessou-se.

Ao longo da tarde, gordas nuvens se armaram em um carrossel cinza.

O nariz entupiu.
À noitinha, chegou à frente de casa e ouviu a primeira trovoada.

Sentiu a pressão do ar em seu corpo e, estranhamente, a pressão de seu corpo na roupa.
Ao fechar a porta atrás de si, o céu desabou.




Quando chorou foi assim, no mais.

Chorou simplesmente porque choveu.





Um comentário:

Super disse...

Lindas letras, alicendo!
To aqui esperando que chova ou desista de chover - o calor buenairense se assemelha àqueles dias pesados do céu porto-alegrense -
bjinhu