6 de fevereiro de 2009

Pingos





Sentou-se diante da tela branca.
Pensou no que escrever.
Notou que seus dedos tremiam, como se pedissem pelo contato com o teclado.
Rasgou sua memória a lembrança de como, nesse processo, não havia conseguido levar adiante determinadas leituras. Fechava os livros policiais. Colocava-os de lado. De polícia já falava. Queria romance. Queria um romance.
Romance, romance, a palavra que queria despir - e nesse mesmíssimo ato já percebeu que é porque um dia a vestiu - desse nosso cacoete acadêmico de rapidamente enganchá-la ao homem moderno, o homem criticado por Walter Benjamin e Michel Foucault, o Homem Romântico, o homem iludido, o jogo de tênis lacaniano que define o amor como mera relação de nós com nós mesmos, a idealização, os contos de fadas, não, não não.

Romance, desses com lugares interessantezados, dessas estórias com pessoas que ganham um brilho pouco visto, a poesia, a poesia, a prosa, o sujo e o belo, o límpido, o paradoxo, era isso o que queria.
Romance, simplesmente romance, a palavra nua, jogada ao vento, sabe-se lá se ele vai bater, sabe-se lá onde a corrente vai dar.

Assim, romance, a palavra excharcada de prévias. E só.




Uma folha seca minúscula entrou pela janela e caiu entre o teclado e a tela. Fez menção de colhê-la. Estancou.
Pela primeira vez, teve ventade de escrever um livro.












2 comentários:

carol de marchi disse...

joguinho de tênis, olhar puro, a eminência de dar as maos...
i smell romance, at last!

Pedro Lunaris disse...

uma folha flutuante seca entre o teclado e a tela.

um resto de vida muito viva voando solta e presa ao vento, entre a palavra e a definição do escrito, entre o dizer e o dito, entre o toque e a visão.

um folha seca que se impõe no meio da digitação do pensamento-vento, esse pensamento lento que tenta pegar nas mãos tudo aquilo que por debaixo da pele tiritita, vagueia, quase explode. aquilo que sem nome é soberano.

uma folha seca inominável. pra gente ficar bobo.

uma.

vale um livro.