20 de julho de 2008

Estilismo



Algo de obsceno deitava-se na superfície da cidade àquela hora. O dia, com sua luz inusitada, violava a lembrança de um cenário preservado como escuro. "Não cai bem a bairros boêmios esse agudo do sol", pensou. E ao mesmo tempo caía. Como roupas acinturadas em quem costuma usar panos soltos. Um pouco agressivo, mas mesmo assim gracioso. Mangas francesas estampadas. Algo de prosa em poema, quiçá vice-versa. Deu-se conta que esse sonho acordado da tarde era contaminado por resíduos da noite.
As paredes ganhavam outro colorido. Os raios embrenhavam-se nos entre-prédios e atingiam mais paredes. Mais cores. O cinza das pedras ganhava um cintilante dourado. "Veludo", pensou.

(O centro ontem à noite era farto em vazios repletos de movimentos por se fazer. Corridas, saltos, gritos. Percebera então que tal acontecimento era o oposto do dia. E aqueles bairros boêmios de agora, no entanto, eram o oposto desse oposto: a luz é que tornava-os sedutores.)

Arranhou então a avenida mais arranhada; era a avenida mais estuprada e também a mais oferecida. Um corpo prostituído. Teve prazer ao se lembrar que gosta do que é sujo. Este bairro já era bem mais kitsch. "Plástico", pensou. Os blocos de concreto formavam uma apoteose funda para passagens velozes. Máquinas. Cápsulas. Rodas. Borracha. Vidro. Estilhaços. Neon gasto. Esquadros. Tudo enquadrado. Sorriu ao chacoalhar quando passou por um buraco enorme, apesar de lamentar o furo do pneu. O chão escuro e duro era líquido, já sabia. "Piche", pensou. E também pensou se o chorinho que preenchia sua máquina veloz podia vazar e ganhar alguma pausa em algum corpo naquele vão fundo da apoteose. Torceu para que isso acontecesse. Consolou-se ao se lembrar que dissera ontem: por mais que tentemos catar borboletas com redes, elas podem sempre ter furos. Uma borboleta foge. Um inseto adentra. Torceu para sua rede ser sempre furada.

(O vidro do escafandro embaçou. Trocou a estação do rádio: não queria mais chorinho.)

A lentidão do mar acenava naquelas últimas entre-quadras que apareciam feito slides. Sorriu em saber que alguns surfistas haviam sido salgados pelas ondas e que adocicariam em banhos quentes. Pensou no calor tipicamente masculino. Pensou nas mínimas diferenças de homens e nas mínimas diferenças de mulheres. Pensou nas mínimas diferenças. As ruas já outra vez insinuavam uma iluminação delicada e faziam-se mais superficiais. Lembrou-se de sua própria luz obscena. De sua própria boca. De sua própria superfície. "Cetim", desejou.




3 comentários:

Super disse...

Como é bom te ter um pouquinho. Digo, ler um pouquinho. É, Ter um pouquinho. Um bastante, até. Como é bom.

Aaaah, dulce de leche!

Beijo de amor sabor chocolate
ao leite (meu novo cabelo)

carol de marchi disse...

bonita, sensaçao, fera, escuta aqui ó: nao matei o blog nao.
quer dizer, matei, depois fiz uma respiraçao boca-a-boca pra ele rescussitar.
olha lá.

Bailinho disse...

é esse tantão tanto mesmo, minina...??!

.....o tal do vazio repleto.

fiquei tonto.
obrigado.