28 de maio de 2009

as caravelas do bairro

Chico Buarque anda nas ruas do Leblon "a trabalho". Diz ele que quando não está conseguindo escrever uma letra, sai a caminhar. Mas não é exercício, não é passeio tampouco. É a trabalho.

Pois hoje é dia de escrever do meu novo bairro, que não é mais Copacabana.
Uma moradora com certa mania de primeiro mundo já disse: "aqui é que nem Nova Iorque. Tem tudo." Talvez eu não dissesse isso do Humaitá, mas se juntarmos o charme do pequeno bairro abraçado pela mata Atlântica com as facilidades baratas do antigo Botafogo quiçá se entenda o sentido dessa frase maluca.
Mas foi descendo a rua Visconde de Caravelas (mais um entre as dezenas de Viscondes do bairro) que senti o vento que içaria belas velas de uma nau. Botafogo é uma carcaça feia, velha, funcional, barata e brega e um miolo precioso: as grandes avenidas são uma Copacabana mais baixinha e comercial e as ruelas são alamedas recheadas de casarões graciosíssimos. Alguns são cafés, outros botequins, uns ainda embaixadas e alguns residências resistentes à urbanização (aqui travestida de edifícios pequenos e bonitinhos). Pra quem apenas passa, Botafogo é espremido, velho e feio. Pra quem entra, é residencial, romântico e bonito.
O Humaitá é só o miolo. Não fica dentro de Botafogo, senão sobre: está ao norte deste, composto por poucas ruas com pinta de Bom Fim e Moinhos de Vento. Talvez se assemelhe ao Rio Ranco: ladeiras, vilinhas, casas da vovó e ruas sem saída que terminam em algo que só tem aqui. É que atrás dele só os morros cobertos pela mata atlântica, o corcovado coroado com o parceiro de braços abertos sobre a Guanabara. Moro no suvaco do Cristo.
A Visconde de Caravelas é uma opção de caminho para mim, que desço do Humaitá em direção à praia de Botafogo para um dos meus locais de trabalho não-pago. Nesse dia ouvia no rádio uma música que eu nunca tinha ouvido, da Daniela Mercury, que dizia algo de sol do sul, farol no olhar, trago o sol e o céu azul da América do Sul, América Latina. "Lalalalalala latinoamérica, América do Sul". Não sei se foi o sol da música, o sol do dia fresco, clima de almoço e meninas de vestidos florais e gente menos Copacabana. Se foi o vento que soprou bem quando eu senti frio na barriga, a lembrança do Grêmio e a associação imediata da música a um possível tricampeonato da América do Sul. Se foi a música que se seguia, era Gilberto Gil homenageando o Rio de Janeiro, pouca gente na rua, o suficiente para soltar as pernas no caminhar, as árvores, as árvores, adeus Copacabana, que bom que eu vim pra cá, será que o almoço nesse restaurante é bom, será que o chope desse bar é bom, que bom, que bom estar morando aqui no Rio, essa cidade é linda mesmo.
Não sei o que foi, mas disse a mim mesma que aquela caminhada a trabalho merecia uma escrita.
Como o Rio novo que eu descobri a bordo daquelas Caravelas.

4 comentários:

Donnassolo Beschi disse...

ô... sou muito mais botafogo pelo jeito. eu voooou, por que não? por que não?

cintilante disse...

que delícia! imaginei e deu vontade de conhecer as ruas por onde se anda a trabalho.

Super disse...

e lendo eu senti essa paixão que não termina de te apaixonar, eu senti o vento da tua caravela. e se não fosse os ventos daqui soprarem minha caravela noutra direção agora, eu já estaria aí, com meu vestidinho florido em lugar deste blusão de lã e deste casacão.

carol de marchi disse...

aiai, fuuuu, fuuuu

um sopro de lejos, de um bairro gostoso também: de bares, cafés e letras, letras doradas queimando no chão com esse sol de verão - seco. Sem mata, sem mar. Que sede que dá, saudade ainda mais. E de ti, então...

sonhei com porto alegre, atlântida, ondas gordas (sempre as ondas!), mãe e tu. mas eu não te achava. cadê? sai debaixo das árvores que quer ver teu vestido rodar!