25 de agosto de 2009

Dissertando II





Essas do exemplo são faces da famosa psicologia “resolve-pepino”, que tanto recebe e com tanto gosto acolhe demandas para resolução de abacaxis, batatas-quentes, qüiproquós, situações-problema. Uma psicologia – o leitor já deve ter percebido – atrelada à moral (FUGANTI, 2008), visto que empenhada em seguir padrões, julgar, prescrever, adaptar, ajustar, apaziguar, pacificar, harmonizar, conciliar, consertar, corrigir aquilo que incomoda, desassossega, destoa, desorganiza, revoluciona, revolta(-se), utilizando-se para tanto de vias igualmente normatizadas e artifícios devidamente legitimados. Ela já não está restrita a uma linha, a uma corrente teórica: diversos autores, através de sortidos conceitos e aparelhos metodológicos, investem nessa direção. Tampouco se resume a livros técnicos, à fala e à ação de psicólogos: espraia-se no que se diz sobre ela, no que se espera dela, no que se sente frente a ela. É a mais conhecida, mais repetida e, portanto, fabricante do senso-comum (ou fabricada pelo mesmo?). Sabe-se que é a mais conhecida simplesmente porque ela nos chega através dos mesmos meios pelos quais ela se tornou celebridade: está na fala da profissional que dá seu parecer na polêmica reportagem do jornal televisivo da noite de domingo da Rede Globo[1]; está em conversas de elevador (“Soube que você é psicóloga, não é? Eu estou com um problema, sabe...”); está em piadas de mesa de bar (“Cuidado com o que diz, ele é psicólogo!”); está em cantadas (“Você está me analisando agora?”); está em expressões das mais populares (“Freud explica!”). E, bem, clichês à parte, um sem-número de profissionais constantemente é capturado nessa mesma lógica ortopédica, reproduzindo-a[2]. Todos nós, aliás, somos cotidianamente fisgados por tal maneira de pensar e agir, visto que se trata do prolongamento de um modus operandi (e vivendi) que reina no mundo atual, conforme veremos mais adiante. Já podemos dizer desse tipo de práticas psi que é uma idéia de psicologia que se cristalizou. Tornou-se psicologia enquanto disciplina, objeto, psicologia enquanto coisa, como já vimos que é o que diria Paul Veyne (1982). Acostumou-se com o que se tornou.

Ora, tratemos de desacostumar a psicologia enquanto saber coeso. Vamos torcê-la, pervertê-la, tal qual o poeta pantaneiro Manoel de Barros faz com as palavras em suas poesias:

Há quem receite a palavra ao ponto de osso, de oco;

ao ponto de ninguém e de nuvem.

Sou mais a palavra com febre, decaída, fodida, na sarjeta.

Sou mais a palavra ao ponto de entulho.

Amo arrastar algumas no caco de vidro, envergá-las pro chão, corrompê-las

Até que padeçam de mim e me sujem de branco.

Sonho exercer com elas o ofício de criado:

usá-las como quem usa brincos (BARROS, 2002, p. 19).


[1] Na noite de domingo do dia 19 de março de 2006, foi lançado o documentário “Falcão – Meninos do tráfico”, produzido pelo cantor de rap MV Bill e pelo produtor musical Celso Athayde, no programa “Fantástico”, da Rede Globo. No programa, além de trechos do filme – que discorre sobre a participação de crianças e adolescentes no tráfico de drogas em vários estados do Brasil – foram exibidas entrevistas com especialistas, entre eles psicólogos, que relacionaram o envolvimento com o crime à ausência da figura paterna nas vidas desses indivíduos. Em diversas outras ocasiões, psicólogos compareceram e comparecem à mídia para conceder suas opiniões de peritos da subjetividade acerca de temas extremamente noticiados, como o da violência ou da possibilidade dela acontecer.

[2] É importante ressalvar que a psicologia é apenas uma parte de um programa muito maior que compreende uma rede complexa de saberes a serviço da governamentalidade de vidas. Sobre isso discorreremos mais adiante, na porção desse trabalho subentitulada “Desinventar”.







4 comentários:

cintilante disse...

manoel de barros mestre! muy mestre!

Super disse...

hmmm Gostinho de quero mais! A gente vai ter acesso antes ou depois da defesa? (ojalá durante..)

carol de marchi disse...

tá ficando binita, né?
ontem eu resgatei essays e researches da UvA e... nossa! Eu sou um gênio! Escrevo muito bem em inglês e sei articular muito minhas idéias relacionando multiculturalismo e arte/mídia! Tinha me esquecido!
Senti orgulho de mim. E uma vontade IMENSA de voltar a estudar, a pesquisar.
I CAN DO IT!

alice disse...

haha! sim! a gente se espanta com a gente mesmo, né? é tão bom! ontem tb vi apresentações minhas da graduação... lindas!
and yes, you can, porque tu é brilhante! também me orgulho...